
Encontros mais do que improváveis!
A noite transforma os nossos pensamentos num mundo
por vezes bem assustador, ganhando um peso acrescido
e impedindo-nos assim de nos desligarmos da nossa consciência
e de dormirmos descansadamente. De madrugada, quando
a luz do dia vai regressando, os pensamentos que invadem
o nosso espaço mental nocturno tendem a tomar uma dimensão
mais racional, apesar do peso e sofrimento que possam
na realidade traduzir.
Muitas vezes e para proteger o nosso sono, o cérebro,
programa verdadeiras sessões de cinema e por sinal gratuitas!
Envoltos nos sonhos, por vezes bem absurdos, os nossos
mecanismos de defesa diurnos - embora diminuídos -, cedem o
lugar à fantasia. Nesse espaço, onde as representações mais
criativas tendem a atenuar os focos directos daquilo que nos
inquieta, surgem inúmeros actores que, por vezes, nem sequer
conhecemos ou viremos a conhecer.
Estou certo de que todos já tiveram experiências extraordinárias
durante as suas noites, dignas dos melhores filmes que
se apresentam em Cannes ou em Hollywood...
Foi o que me aconteceu, há umas noites atrás.
Subitamente vi-me sentado à mesa com a rainha Isabel II.
Imaginem...
Acompanhava uma senhora, que certamente faria parte dos
apoios da real Senhora. A conversa foi longa e como não
poderia deixar de ser, acompanhada de um chá.
Não me peçam detalhes, que não tenho infelizmente o hábito
de tomar nota do cartaz de estreias assaz produtivo, das minhas
noites de cinema, muito menos dos assuntos tratados.
Mas confesso que a conversa foi animada e num ambiente muito
tranquilo e cordial. Terá sido em português ou em inglês? ...
Só recorrendo à hipnose, poderia eventualmente recordar os
pormenores do real chá.
Ao acordar, fartei-me de rir.
O mundo do cinema nocturno tem destas coisas.
Não pensem que o cartaz apresenta-me sempre filmes leves...
Mas esses guardo-os para mim, que não vos quero assustar!
Tenham bons sonhos e excelentes filmes.
r n c - Jun. 2015
Generosidade
No primeiro Domingo de Abril fui ao cinema.
A continuação de um filme de que muito gostei,
prometia uma noite cheia de imagens e sons, repletos
de histórias de vida tão naturais quanto intensas,
como aquela com que a tela me preenchera, na primeira
parte que vi há meses atrás.
Não me equivoquei.
Refiro-me ao Exótico Hotel Marigold...
Destaco duas actrizes, simplesmente admiráveis:
Judi Dench e Maggie Smith.
Hotel situado em Jaipur, onde um grupo de ingleses
reformados vai viver, sem meios para tratarem da sua saúde
em Inglaterra. Argumento para uma aventura cheia de exotismo
e de cor. Feita de encontros, desencontros, tratando admiravelmente
de aspectos relacionados com o envelhecimento e a forma
como as diversas personagens vão lidando com o mesmo.
A atmosfera do filme envolve-se de música inconfundível,
tão ao gosto daquelas paragens e que para descrever,
eu ousaria usar apenas uma palavra: Saudade.
Não me perguntem porquê, nem de quê, mas aquele ambiente vai-se
construindo sobre a generosidade, o amor, a traição, as perdas, a vida
e inevitavelmente a morte, abordada de forma subtil e delicada.
Desta segunda parte e além de todo o ambiente daquela Índia exótica,
guardo uma frase que trouxe comigo e me fez reflectir:
"Gosto de pessoas que plantam árvores. Mas ainda gosto mais daquelas,
que sabendo que nunca virão a beneficiar da sua sombra, continuam
a plantá-las."
Generosidade. É disto que o filme trata. Com muita vida e muita cor.
É disso que a Humanidade precisa com urgência e de que se encontra
profundamente carente.
Não deixem de ver o filme!
Dia 20 começou a Primavera... E foi o dia mundial da Felicidade!
Que me contas, Felicidade?
A palavra "Felicidade" complica-nos a vida há centenas de anos.
Abrindo-se ao sabor de inúmeras aspirações - umas mais legítimas
do que outras -, todo o ser humano envolve-se desde a mais
tenra idade na procura do prazer, do sentimento de bem estar,
que assume - ou deveria assumir... -, formas muito mais elaboradas,
à medida que se vai tornando adulto.
Freud nomeou essa fase precoce do desenvolvimento infantil
de Princípio do Prazer, em que o bebé busca sensações prazerosas
no mamar, no chupar, na utilização dos seus esfíncteres, libertando e
por vezes retendo, o que o seu corpo vai evacuando (no sentido lato),
resultando da sua fisiologia.
Nessa fase, a intolerância à frustração é praticamente total e à mínima
"contrariedade", a ilusão da felicidade plena parece esfumar-se
num ápice, surgindo o choro para libertar a tensão interna e o aviso
de que o bebé se sente profundamente infeliz.
A interacção com o cuidador principal - habitualmente a mãe -,
vai ajudar o bebé a suportar essas contrariedades bem como
os chamados objectos transicionais - p.e. o boneco preferido ou outro
objecto investido como tal.
Segue-se uma outra fase que surge por volta dos 3 a 4 anos.
Resolvidos certos conflitos e com a constituição do Super-ego,
instância que resulta da formação do conceito de interdito, surge
o Princípio da Realidade.
Quando esse princípio está bem interiorizado, ele permite à criança
e mais tarde ao adulto, perceber que o conceito de felicidade é muito
relativo, o que facilita o "convívio" com a inevitável frustração e a
sua sublimação através da tolerância, da paciência e o investimento
em recursos adequados como por exemplo as actividades artísticas.
A felicidade é assim, um conceito muito subjectivo.
E mesmo que a felicidade plena não seja deste mundo, há pequenos
grandes momentos que se revestem de um profundo bem estar.
As cores do mar. Os cheiros que as ondas empurram para terra firme...
Uma paisagem... A natureza subtil... Um olhar, um abraço, um sorriso...
O nascimento de um bebé... Duas crianças que brincam...
Um bom prato à mesa com amigos...
As notas de um trecho de música... Um perfume que nos inspira...
Adormecer tranquilamente... Sonhar...
A Vida!
Felicidade. Uma palavra tão simples e por vezes tão distante, cujo dia
se comemora todos os meses de Março, com a chegada da Primavera.
r n c - Mar. 2015
Mea culpa! Mea culpa! Com um ano de existência e muito embora
este Blog tenha tido e continue a ter por objectivo
a divulgação direccionada para os francófonos, daquilo
que de bom temos por estas paragens lusitanas,
sinto a falta de uma coluna em português.
Aqui tem ela o seu parto.
Um abraço muito especial, para todos aqueles que
sentem o peso da SAUDADE, que noutros tempos
em que era estudante, experienciei.
Tempos em que comunicar e receber Informações
de Portugal, era moroso e bem mais limitado...
Escrevo mensalmente um artigo ou uma história
a pedido de colegas que organizam o jornal
da empresa onde trabalho.
Vou partilhá-los convosco.
Aqui vai uma história de Natal, que acaba de ser
publicada esta semana (15 de Dez.) e o tema que
desenvolvi no passado mês de Novembro.
A todos um FELIZ NATAL e um 2015 cheio de coisas boas!

Noites de Natal.
Sentado no chão, junto à lareira da sala,
o Tomás deixa-se levar pelo crepitar da lenha que arde
e observa a luz das chamas que saltitam, ora para um lado,
ora para o outro.
Pensativo, vêm-lhe à memória recordações de outros Natais.
Subitamente, repara numa chama mais intensa,
na qual se desenha um pinheiro largo e bem alto,
cheio de bolas, grinaldas douradas e repleto de estrelas cintilantes.
Perplexo, fixa o olhar num turbilhão de crianças que, cantando
e envolvendo a árvore se agitam, enchendo-a com estrelas
que retiram de um grande cesto. Destacando-se do grupo,
uma menina vem na sua direcção, estendendo uma mão
cheia de estrelas e saindo da labareda, a sorrir, abraça-o
espalhando-as ao seu redor.
Sem palavras e com o coração a galopar, o Tomás tenta
agradecer-lhe, mas a chama desaparece como por encanto,
sugando a menina que acena com a mão, para se despedir...
O abraço daquela criança, aquelas estrelas e a luz tão suave,
mergulham-no num profundo bem-estar.
Quem diria..., ele que não é nada dado a essas coisas.
- Tomás, vamos jantar!
- Mãe... Vi uma menina que...
- Estás sempre a ver coisas filho...
- Mas vinha das chamas...
A mulher retirou-se da sala, murmurando por entre os dentes
que aquele rapaz era sempre a mesma coisa. Que só perdia
tempo com o que não devia... Que isto e mais aquilo...
O Tomás fixa atentamente a lareira que continua a crepitar,
por entre chamas luminosas e bem agitadas, na esperança de
voltar a ver aqueles meninos, envolvendo o pinheiro grande...
Subitamente e de outra chama intensa desenha-se uma montanha
coberta de neve, que uma lua cheia ilumina, ajudada por milhares
de salpicos cintilantes, formando a Via Láctea... E descobre um
batalhão de bonecos de neve, marchando em fila indiana
e cantando uma música de Natal, puxando um imenso trenó,
cheio de envelopes coloridos.
- Tomás! ...
- Mãe, que sítio tão bonito!
- Dentro da lareira... filho, estás a delirar!
- Mas...pelo menos venha ver...
- Está na hora de ir jantar... Vá, levanta-te!
Encolhendo os ombros, volta a sair da sala...
Tentando acenar aos bonecos de neve, o Tomás aproxima-se
mais da lareira mas, sentindo um intenso calor, afasta-se
para não se queimar...
Um dos bonecos de neve aproxima-se e sorrindo, estende-lhe
um envelope azul. O Tomás tenta apanhá-lo, mas este abre-se
saindo do seu interior uma carta, onde consegue ler
a seguinte mensagem:
Tomás, aquilo que verdadeiramente importa,
é saber olhar e sentir com o coração.
Estar atento aos outros, sem os ferir, sem te achares
acima deles, porque os que te parecem menores,
quantas vezes estão bem acima de ti...
O Tomás fica envergonhado...
Recorda que na véspera insultou uma colega, tratando-a de burra
por estar a dizer coisas, a seu ver sem nexo, ao ponto de a ter
expulso do grupo de amigos, por não a suportar...
E tenta agarrar a carta que, instantaneamente se desfaz em pó,
acabando por dizer em voz alta parte daquilo que leu...
...sem os ferir, sem te achares acima deles...
Os que te parecem menores,
quantas vezes estão bem acima de ti...
Pensativo volta a fixar as chamas que se erguem na lareira,
quando começa a desenhar-se numa delas uma pradaria
onde um grupo de espantalhos faz uma roda de mãos dadas,
assobiando em alto e bom som...
Aproximando-se mais, o Tomás tenta perceber de que são feitos
mas, mais uma vez, o calor intenso da lareira acaba por o afastar...
Nesse instante sai da roda um espantalho,
que caminha na sua direcção.
- És muito feio...e tens o nariz a pingar!
A cara do espantalho parece-lhe medonha. O nariz é um rabanete,
os olhos duas azeitonas pretas e a boca mais parece um pimento...,
tudo agarrado a uma vassoura virada ao contrário e espetada
numa abóbora com duas beringelas a fazerem de pés.
Os braços cobertos com estopa rasgada e umas mãos com dedos
pontiagudos - feitos com os ramos de uma árvore seca e muito velha -,
também não ajudam nada...
- Pois é meu amigo. Mas há pouco, quando te entreguei a carta,
achaste-me muito engraçado e depois de leres a mensagem
que te escrevi, ficaste embaraçado...
- Para além de seres bruxo, ...tu és feio.
O boneco de neve era muito bonito!
- Por fora, meu amigo! Por fora...
E fiquei assim, porque o sol derreteu a neve que me cobria.
Mas por dentro, sou o mesmo...
- Nunca vi tal coisa...um boneco de neve que afinal é espantalho...
- Tomás, recorda o que leste na carta!
- Ai a minha memória...
- Quando te convém és uma verdadeira cabeça de alho xoxo.
- ... saber olhar e sentir com o coração...
- Isso mesmo...
Ficou pensativo.
Quantas vezes desdenhara na escola aqueles que lhe pareciam
diferentes. Tratava mal um colega, só porque gaguejava,
empurrava uma colega que tinha muitas sardas,
com as quais embirrava... E insultava um miúdo, que tinha alergias
frequentes e que quase sempre pingava do nariz...
- Olha..., tens razão. Tenho sido muito mauzinho...
Mas olha lá, como é que eu posso fazer para mudar?
O espantalho desenha no ar, com os dedos, uma forma
semelhante a um coração e desaparece como por encanto...
Confuso com tantas lições, ouve a mãe aos gritos,
chamando-o novamente para o jantar...
Olhando uma última vez para dentro da lareira,
vê as crianças de mãos dadas aos bonecos de neve
e aos espantalhos, todos ajoelhados à volta da
árvore toda iluminada, que acaba por se transformar
num presépio.
Abrindo bem os olhos, para não perder nada,
o Tomás centra a sua atenção naquele menino tão bonito
nas palhas deitado, espalhando um suave sorriso,
cheio de ternura e paz.
Ao olhar para o céu todo estrelado, descobre um conjunto
de letras que se vão organizando numa frase:
"Faz aos outros o que gostas que te façam a ti"
O Tomás, comovido, olhando novamente para o menino
agradece-lhe, levantando-se a correr para a cozinha,
onde a mãe o aguarda para jantar.
r n c - Dez. 2014
Acerca da resiliência...
Outro dia
Quando a noite cai,
Também se espalha sobre as árvores,
Cobre as ondas do mar
Acende estrelas, desperta sonhos,
Que os cheiros invadem a rua...
Sabias que a cigarra sabe dançar?
Aromas de terra molhada,
Alecrim e alfazema...
No silêncio de quem observa,
Faz tudo para escutar...
O morcego traz o silêncio...
Dizem que o mocho morre a cantar!
Ao vento acorrem mil desejos,
Escondidos nas folhas mais densas,
Histórias e mais histórias...
Sopra a vela, como quem apaga um dia,
Uma noite de insónias...
Será que o tempo se esvazia?
Na fonte espelhada, da água mais pura,
Descansam as almas... que a paz silencia
A lua despede-se, cansada...
Renascem saudades, horas e mais horas...
Não chores lágrimas vazias...
Acredita, amanhã é mesmo outro dia!
r n c - há muitos anos...